A Ambição do Novo


Zaha Hadid, Malevich`s tektonik London Project, Londres, 1977.
lebbeuswoods.wordpress.com

Por Zaha Hadid[1]

Tradução de Luis Felipe Abbud
Revisão de Rafael Urano Frajndlich 

… Anterior à noção de tempo existe uma análise da relação dialética sobre o novo e aquilo que veio antes. Uma investigação do processo pelo qual o novo é produzido e a inovação é alcançada. Gostaria de abordar essas noções de tempo, oscilação e ambição do novo e a influência da noção de tempo nos termos de minha trajetória e de meu trabalho, não somente em termos de sua significância conceitual, mas também acerca do desenvolvimento cronológico de meus projetos ao longo dos ultimos vinte anos.

O tempo é crucial na medida em que sempre temos de lidar com o momento. Na verdade, meu próprio trabalho se iniciou na metade dos anos 70, quando a noção de história estava muito em voga após a tabula rasa modernista e a idéia de novidade (newness) começava a ser considerada nos termos da pós-modernidade. Para mim, isto apontava para o modo como idéias de ruptura e fragmentação poderiam liberar a planta, o que me direcionou para idéias de abstração, fluidez e a um tipo de processo de oscilação no qual se pudesse mover para frente e para trás no tempo. Em última analise, essas idéias e métodos operacionais me levaram a novas idéias sobre espacialidade.

Começo com um trabalho bem inicial: Tektonik de Malevich (1976-1977), meu projeto de graduação na Architectural Association.

Esse projeto explorava o fator de ‘mutação’ dos requerimentos programáticos de um hotel de 14 andares ao pé da Ponte Hungerford sobre o Rio Tâmisa. A ‘tektonik[2] horizontal se conforma e faz uso da composição aparentemente aleatória de formas suprematistas para atender as demandas do programa e do lote. Os 14 níveis sistematicamente aderem à tektonik, transformando todas as suas eventuais restrições em novas possibilidades de espaço.



Kazimir Malevich, Arkitekton, 1923.
lebbeuswoods.wordpress.com 

Com essa junção da tektonik de Malevich com um programa de hotel surgiu a idéia de que se pudesse voltar no tempo – nesse caso para o incio do seculo XX – para investigar as questões daquela época e aquilo que elas poderiam implicar em termos de mudança e novidade. A partir da superposição dessa condição deslocada em Londres de onde vieram idéias sobre ruptura e descoberta da diagonal – uma descoberta de que a diagonal poderia implicar em vários graus diferentes em vários níveis diferentes. Isto, eu acho, foi muito importante.

Nós percebemos que lidar com as idéias do moderno não significava necessariamente a supressão de um contexto existente. A idéia de justaposição de dois ‘tempos’ criou uma superimposição e, eventualmente, hibridismo. Coisas que haviam ocorrido em tempos diversos poderiam agora acontecer simultaneamente. Desenvolvemos um tipo de método operacional em raio-x, um tipo de arqueologia que permite que muitas camadas ocorram concomitantemente. O desenho não somente transmite um momento congelado no tempo, mas também idéias de movimento, o que nos permitiu fazer um tipo diferente de espacialidade. Essa ideia de projeção tambem se tornou muito crítica para o trabalho.

Então, duas coisas comecaram a ocorrer. Dentro da idéia de projeção e da organização espacial também existia uma ideia de ruptura, ou explosão. A combinação entre fragmentação e explosão com a natureza antigravitacional das tektoniks de Malevich levou a uma certa liberdade em relação ao solo, ou a uma liberdade da planta, o que tambem levou a idéias de fluidez organizacional. A organização da planta e a idéia de projeção e suas distorções começaram a ser enquadradas num um momento em que se tornou como que um storyboard, no qual muitas sequências sobre um período de tempo são comprimidas em uma única imagem. Fluidez e compressão eram possiveis em um mesmo espaço.

Essas idéias de projeção e espacialidade foram muito fortes nos desenhos para o projeto do Hong Kong Peak (1982-1983). A Projeção, que era apenas um método de apresentação de trabalhos, se tornou um modo de relacionar o projeto a idéias de distorção, fluidez e curvatura, assim como para capturar todo um dia na vida do edifício. A altura elevada da implantação sobre um morro de Hong Kong demandou uma certa inventividade programática, bem como uma significância massiva (além de alívio) da congestão dela própria: olhar para a topografia e para a sua escala nos levou a certas idéias de espaço, incluindo a idéia de um salão na cidade. A questão da projecão se tornou muito maior do que a do edifício. Os limites do projeto eram a própria cidade, visto que a projecão também lidava com um espaço urbano e com o quanto a idéia de um skyline comprimido poderia ter nele uma influência.

Zaha Hadid, Hong Kong Peak Club, Hong Kong, 1983.
zaha-hadid.com 


Zaha Hadid, Hong Kong Peak Club, Hong Kong, 1983.
zaha-hadid.com 


Zaha Hadid, Hong Kong Peak Club, Hong Kong, 1983.
zaha-hadid.com 

No Hong Kong Peak a estratégia da projeção foi percebida por meio de um processo de escavação e transplantação. Para acentuar as condições visuais dramáticas e as propriedades arteriais inerentes ao lote, foram lançados elementos construtivos de vários materiais por sobre o morro, vertical e horizontalmente, numa espécie de geologia suprematista. Nos propusemos a remover o granito da área do lote ao sul de Crown Land: a rocha escavada foi então polida e reintroduzida em várias partes do lote para criar uma montanha artificial. Uma vez estendido até o morro, o segmento escavado se tornou o local para uma série de superimposições programáticas dispostas em camadas horizontais ao longo uma série de vigas arquitetônicas suspensas por sobre a montanha. Essas idéias geológicas para a paisagem, as diferenças entre rocha e solido, transparência e fluído, idéias de paisagismo e escavação, começaram a sugerir um grau de transitoriedade e fluidez junto à própria organização da planta.

Uma paisagem severa tambem foi uma questão em um de nossos projetos mais recentes, o Museu de Arte Islâmica em Qatar (1998). O fato de que não havia um forte precedente para uma instituição desse tipo, combinada com o acervo um tanto estranho do museu, nos permitiu desenvolver uma tipologia original enraizada na predileção islâmica por padrões repetitivos com momentos de diferença.

Zaha Hadid, Museu de Arte Islâmica, Qatar, 1998.
El croquis, n. 103 “Zaha Hadid 1996-2001”, 2000.

Zaha Hadid, Museu de Arte Islâmica, Qatar, 1998.
El croquis, n. 103 “Zaha Hadid 1996-2001”, 2000.

Assim como nos primeiros projetos, a conexão entre abstração e paisagem era investigada primeiro pelo desenho. O terreno na cidade de Doha é seco e arenoso, faceia uma faixa ao longo do litoral de Doha. Para termos de fato um mapa do local, transformamos um terreno quase plano em uma pequena cordilheira de modo a vermos como diferentes espacos poderiam partir de ambiente altos e largos até um tipo de espaço múltiplo para sobreposição de programas. Além da utilização de estratégias de superimposição e projeção, foram elaborados desenhos rotativos, como na caligrafia, enquanto maneira de unir idéias de espaços fluidos e movimento. Essas idéias de caligrafia e fluidez serviram como um meio de engatar a diversidade material do acervo do museu. O esquema é definido como uma série de campos de influência, que dividem uma forma comum. O edifício todo funciona como um container de ‘objetos’ programáticos – uma noção que ecoa nos espacos de galeria: um terraceamento de planos horizontais e inclinados que abrigam a gama de artefatos.

Eu deveria abordar também a relação dialética do edificio em respeito à paisagem. A noção de tectônica natural, as camadas de solo ao longo de um período de tempo, todas elas geologicamente lidando com a idéia de areia, se tornaram muito importantes. O edifício não é somente rodeado por uma paisagem, mas também incorpora dela características em sua arquitetura, fundindo-se então com o contexto. Podagens, caminhos e várias superficies macias de solo são propostas da fronteira costeira até o limite do edificio em um projeto contínuo. Essa área formalmente declina para dentro do espaço do saguão, criando ao mesmo tempo um espaço convidativo para o museu, bem como transforma o átrio principal em uma paisagem de platôs terraceados que levam aos espaços das galerias.



Zaha Hadid, Museu de Arte Islâmica, Qatar, 1998.
El croquis, n. 103 “Zaha Hadid 1996-2001”, 2000.

Todas essas idéias, a partir daquela de abstração que nos levou às de topografia, fluidez, ruptura, explosão e das forças anti-gravitacionais (que implicam em um grande de liberdade do piso), são obviamente importantes. Todas as diferentes topografias superimpostas mostram como pouquíssimas mudanças ocorrem no tempo. Como você lida com o solo, como afundá-lo ou elevá-lo pode implicar em diferentes idéias de espacialidade. Como a diagional, ou corte, através de um edifício implica em uma organização conjunta diferente: todas elas liberam o espaço e nos permitem mover diferentemente através dele.


Zaha Hadid, Moonsong Restaurant, 1990.
zaha.tumblr.com 


Zaha Hadid, Moonsong Restaurant, 1990.
zaha.tumblr.com

The article above was freely translated willing only to expand the debate on contemporary architecture, without the intention of infracting eventual copyright laws. If found any problems related to this issue, please contact the editors of VENEZA – Archictectural Blog.

 O artigo acima foi traduzido de forma livre visando somente a ampliação do debate sobre arquitetura contemporânea, sem a intenção de romper eventuais leis de direito autoral. Na identificação de algum problema nesse aspecto, favor contactar os editores do Blog VENEZA de Arquitetura. 

[1] Tradução livre de texto publicado em AVERMAETE, Tom (Ed.)Archtectural Positions : Architecture, Modernity and The Public Sphere.Amsterdam: Sun Publishers, 2009. A versão original deste texto foi apresentado na conferencia Anytime em Ancara, Turquia em Junho de 1988 e foi publicada em Cynthia C. Davidson (ed.), Anytime. Cambridge: Mass. (mit. Press) 1999.

[2] NT: O termo foi deixado no original uma vez que faz referência à obra do artista Kazimir Malevich citada pela arquiteta, e não visa se aprofundar no assunto específico da tectônica na arquitetura. Para tanto, sugere-se a leitura do livro FRAMPTON, Kenneth. Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in Nineteenth and Twentieth Century Architecture. MIT Press, Cambridge, Mass., 2001.


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